Mesmo com um número
alarmante de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus, o que causou a
suspensão das aulas de todas as modalidades de ensino, o Ministério da Educação
(MEC) optou por manter a data de aplicação da prova do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem),
isto é, para novembro.
Para muitos estudantes, o
Enem é o vestibular mais importante a ser feito, pois o exame dá acesso às
universidades de ensino superior de todo o país e, também, em Portugal. Por
isso, eles se dedicam durante todo o ano para obter a melhor nota na prova e
garantir uma vaga na faculdade. Mas com a pandemia do novo coronavírus, muitos
estudantes não estão conseguindo manter a rotina de estudos. É que com o
isolamento social, as atividades presenciais foram suspensas e, atualmente,
somente as aulas on-line estão sendo realizadas. No entanto, esse formato de
estudo não tem sido suficiente para ajudá-los. Além disso, nem todos os alunos
têm acesso às tecnologias digitais, o que impossibilita a continuidade dos
estudos.
Até mesmo os que têm
oportunidade de estudar com os recursos disponíveis na internet reconhecem que
outros estudantes podem ser prejudicados, caso a data da prova seja mantida.
Thais da Silva é uma delas. Aos 18 anos, a estudante baiana que frequentou a
escola pública desde a 5ª série pretende fazer vestibular para Arquitetura
e Urbanismo. Após concluir o 3º ano no final de 2019,
a estudante continuou os estudos fora da escola. Em casa, ela tem acesso a
celular com internet, smart tv e notebooks, ainda assim, endossa o
discurso pelo adiamento. “Não estou fazendo isso por mim, estou fazendo pelas
pessoas que estão nas suas casas e que não têm a oportunidade de ter um estudo
digno. Pessoas que não têm livros ou até mesmo internet. Pessoas que mal sabem
o que está acontecendo direito no mundo por não terem fontes de informação
dentro da própria casa”, afirma.
Na quarta-feira, 13,
servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep) se associaram a outras organizações para solicitar a suspensão
do calendário da prova. A carta
produzida por profissionais do Inep foi encaminhada para o Ministério Público
Federal e Congresso Nacional.
O Fórum de Reitores das
Universidades Estaduais da Bahia (UEBAs) também divulgou uma nota pública em
defesa do adiamento do Enem. Em trecho do documento divulgado no último dia 11,
se encontra a seguinte afirmação:
“Com a impossibilidade de manutenção das atividades
presenciais, as ações de ensino se encontram hoje dependentes de iniciativas
passíveis de serem efetivadas nos ambientes privados e domésticos dos
estudantes. Nestas condições, as disparidades e desigualdades sociais impactam
decisivamente na efetividade e qualidade das ações de ensino. Famílias
caracterizadas pela presença de pais com alta escolaridade e com acesso
assegurado a equipamentos e tecnologias de informática e comunicação se mostram
em condições muito mais favoráveis de manutenção de ações educacionais do que
as famílias que não contam com nenhum adulto com escolaridade em nível médio ou
superior, que não têm acesso a computadores ou aparelhos celulares com
capacidade para utilização de aplicativos específicos e nem acesso assegurado à
internet”. As UEBAs possuem mais de 20 campi espalhados por todo o estado da
Bahia.
Nas redes sociais, a hashtag
(palavra-chave associada a alguma informação que se deseja anexar no twitter)
#AdiaEnem tem sido aderida por estudantes, professores, artistas e várias
personalidades. Entre os argumentos utilizados pelo grupo que solicita o
adiamento da prova está a dificuldade que os estudantes estão enfrentando para
manter os estudos em casa, principalmente aqueles que frequentam a escola
pública.
Somado a esse movimento,
está o #ParalisaEaD. No twitter, o termo já conta com várias publicações. Além
de problemas de concentração e dificuldade no acesso à internet, os estudantes
apontam a ansiedade, e o próprio medo de contaminação como causas que impedem a
efetividade do ensino a distância.
Para cumprir o calendário
de atividades escolares, o Conselho Nacional de Educação (CNE) disponibilizou
as orientações necessárias para que professores e coordenadores pudessem
estruturar um novo cronograma letivo.
Entre os recursos
disponíveis para que os estudos sejam mantidos, estão as videoaulas e as
atividades que podem ser acompanhadas por plataformas digitais. Porém, quando
são analisados fatores como a desigualdade social brasileira e o acesso aos
meios digitais e a internet é possível perceber que nem todos os alunos são
contemplados com as tecnologias digitais.
De acordo com a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e
Comunicação (Pnad Contínua TIC) 2018, divulgada no último mês, pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma em cada quatro pessoas não
tem acesso à internet no Brasil, o que significa dizer que 46 milhões de
brasileiros não tem acesso à rede. Segundo os dados apresentados, a situação
fica ainda pior nas áreas rurais, onde 53,3% das pessoas não têm acesso à
internet.
Por isso, o Conselho
recomendou que tanto o Inep como o Ministério da Educação repensassem o
calendário das avaliações que acontecem em larga escala, como o Enem.
Em pesquisa realizada no
mesmo ano pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade
da Informação (Cetic), sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação
nos domicílios brasileiros, os números apontados foram:
14% dos domicílios
possuíam tablet
27% das casas tinham
computador portátil
Em 19% dos lares havia
computador de mesa
93% das famílias tinham
telefone celular
A pesquisa do Cetic
também aponta que apenas 60% dos indivíduos entrevistados informaram ter usado
algum tipo de computador, pelo menos uma vez na vida, de qualquer lugar. Os
tipos considerados são: computador de mesa, notebook e tablet.
Não saber usar os
dispositivos é uma das justificativas utilizadas por metade das pessoas. Outro
fator tem sido o valor dos equipamentos, que muitos não têm condições de pagar.
Diante desse contexto, no qual as desigualdades estão mais acentuadas, o
adiamento do Enem é uma necessidade.
Quem também concorda com
esse ponto de vista é a engenheira Érica Batista. Hoje, formada em Engenharia
Civil e fundadora da Minerva Projetos, ela lembra de como
foi difícil conquistar a vaga, obtida através da prova do Enem, e se manter na
universidade. Érica também veio de escola pública e percebeu, logo no começo, o
quão distante estava de seus colegas de sala.
“Em relação ao conteúdo,
no meu primeiro trimestre da faculdade vi que os assuntos que eu deveria ter
aprendido no ensino médio, eu nem vi. Tive que aprender para acompanhar as
matérias de cálculos e física. Enquanto isso, os alunos da minha turma, 90% de
escola particular, tinham estudado o conteúdo na escola”, conta. Como bolsista,
Érica percebeu que o abismo que existia entre os alunos do contexto público e
privado era grande até em casa. “Eu não tinha ambiente para estudar em casa, eu
chegava 1h mais cedo na faculdade ou saia mais tarde pra estudar na biblioteca.
Aqui em casa é pequeno, não tem espaço pra estudar, fora que é muita gente
conversando, assistindo TV, tira a concentração”, compartilha.
Conhecendo bem o cenário
da educação pública no Brasil, ela acredita que esses estudantes podem sofrer
ainda mais por conta dessas circunstâncias. “Os alunos de escola pública serão
os mais prejudicados caso o Enem ocorra na data programada. Com a suspensão das
aulas, esses alunos não terão condições de estudar por conta própria. Quem
estuda ou estudou em escola pública sabe o quanto de conteúdo que não é visto
no ano letivo. Enquanto os alunos de escolas particulares têm aulas on-line e
suporte dos professores. Fora que existem alunos que não possuem acesso à
internet, nem mesmo um computador em casa, nem um ambiente minimamente
confortável para estudar. Tem gente que usa o tempo na escola para absorver
tudo que pode de conteúdo, porque sabe que em casa não vai conseguir estudar da
mesma maneira. Se um aluno de escola pública com ano letivo normal já tem uma
dificuldade muito maior pra realizar uma boa prova e ter uma boa base,
necessária para se manter na universidade, imagine com metade do ano ou mais
comprometido pela pandemia”, questiona.
As inscrições para a
prova do Enem continuam abertas até o dia 22 de maio. As provas estão marcadas
para os dias 1º e 8 de novembro, na modalidade presencial, e 22 e 29 de
novembro, na versão digital.
Fonte: Esther Santana
– Agência Educa Mais Brasil